quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Escrever é


Escrevo para lhe contar como anda a escrita. Ao escrever percebo que já não anda, agarra-se e toma conta de todas as ações cotidianas. Pego-me a lembrar das tuas poesias e teorizá-las em formato de rima, quando me debruçava sob versos que você uma vez escrevera e marcara para que eu lesse. Na época, e agora, me parecem ser grandiosos, principalmente quando cá estou eu tentando terminar uma estrofe há um bom tempo. 
Escrever-te flui, tal qual flui o pensar, pois conto com a liberdade e o zelo de quem me lê com olhos de quem ama, mas a palavra pro público me parece presa. Sinto que no meio de tantas amarras da expectativa, as da forma e estrutura me preocupam.
Respiro como quem tem pressa, mas vejo ela sempre aqui. Presença essa que me é constante. Tu consegues ver essa pulsão da escrita junto a minha sombra ou isso é reconhecível apenas por quem também é perseguido? Nós, escritores, andamos tal qual cachorro farejando essências, farejando qualquer motivo que inspire uma palavra.
Ultimamente tenho tentado entender essa felicidade que chega e invade quando se tem uma frase ou um pensamento poético construído, todavia não o faço sem escrever. Quanto mais busco razões passo a entender que a melhor felicidade é aquela provida da inocência.
Pare um dia num parque e observe como correm os pequenos. Estes nem se perguntam a razão de brincar ou correr, procuram apenas a extrema alegria. Cá estou eu, buscando um motivo pra correr. Correr entre uma palavra e outra. Correr em busca do melhor sinônimo pra casar as ideias. Correr pra te dizer que tentarei não parar e entender a escrita, apenas seguirei até finalizar o próximo verso.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Escrever é estar perdido

Um dia eu estava caminhando e decidi parar em frente à um pequeno duplex antigo, de onde um jovem acabara de sair apressadamente. Mas a moradia havia me chamado mais a atenção. Logo me veio em mente o que poderia ser desenvolvido a partir do que o cenário mostrava. Estava ali, parado. A vida acontecia em todo um resto de mundo que eu não conhecia e eu não conseguia tirar minha atenção do que eu absorvia pelos olhos e transformava pela mente.
Não sei explicar, mas existe uma imensidão de “eus” dentro de mim. Descrever aquela casa seria como deixar o escritor que está na fila ao lado do eu que sonha, passar e assumir o controle. E ele sempre pede passagem. Começaria então por pequenas partes. Descreveria a porta vermelha, sua tinta estava descascando e as partes que ainda tinham tinta estava cheia de ranhuras; como os lábios de uma senhora, que mesmo após passar batom apresenta as marcas da idade.
Analisar o que falar sobre o que estava sendo visto, seria um processo, pois o que é criar sem escrever em linguagem pensante? E o que é a escrita sem organização de ideias? Continuando a observar os detalhes, vi que a janela estava quebrada e preferi acreditar que havia sido alguma criança distraída que a quebrou no meio de uma partida de bola. Afinal, mesmo que quebrada haveria mais beleza encontrar sua razão na inocência.
Algumas telhas da casa estavam no chão da calçada como se quem as tirou houvesse esquecido de colocá-las no lugar. Logo escrevi em mente que havia sido o vento, que assim como o tempo brinca de levar as coisas e não trazê-las de volta.
Puxei um caderno do bolso e comecei a rabiscar a forma que as janelas em disposição com a porta formavam um sorriso. A cor azul da casa se transformava constantemente em outras cores, dependendo do que as sinapses murmuravam. O tempo todo estava eu perdido.
Sim, perdido. Pois comecei a escrever. E escrever é assim mesmo, viver em constante estado de perda. É pensar e se perder em pensamentos e metáforas necessárias ao nascimento do que se põe no texto. É se perder em uma ideia até finalizá-la. É se perder no meio do caminho e não achar saída, enchendo assim as gavetas. É passar uma noite em claro porque um conto terminado é mais gratificante que algumas horas de sono. É perder-se no que há de mais importante de si, o pensamento.

Muitos que escutam essas afirmações se questionam se tenho medo de viver assim, perdido por causa de algo. Não, nunca tive.  Minha mente se tornou aquela casa, mesmo que eu saia dela e me perca, um dia aprenderei a voltar. 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Onze

Eram dez e meia, e a estática do ar estava repleta de expectativas e promessas. Eles tinham que encontrar, às onze, uma amiga que os esperava numa das esquinas perdidas da avenida paulista. Mas ainda havia tempo para se respirar um pouco do ar que saia dos pulmões de cada um.
O quarto 11 ficava no térreo. Havia um ventilador de teto que girava fracamente quase que desacelerando o tempo e enquanto girava fazia um leve barulho que trazia a sensação de conforto. As luzes estavam apagadas, mas pela janela, ou o que restava de frestas entre uma cortina e outra, a lua fingia-se de convidada e invadia o quarto. Mas aqueles corpos pareciam emanar luz própria.
Lá fora, o vento passeava frio e solitário. Gritando o lamento da solidão por entre lacunas estreitas. O mundo permanecia vivo fora do número 11, mas existia uma energia vital que se formava naquele espaço que ofuscava qualquer anúncio externo.
Os toques dados pareciam acender neles uma iluminação insana. Era quase um combustível que estava sendo preenchido através de beijos que se tornavam mais densos, com sensações que findavam o palpável.  A colcha trazia consigo o aviso de “100% algodão”, mas ela arranhava os dois como se fossem pedras. O desejo perdia-se por entre as fissuras e fibras do tecido. Único sobrevivente diante de tal encontro.
O despertador tocou às 23:00 como um pressagio do fim ou iminência de novos começos. Calçaram as botas como se disputassem quem calçaria primeiro. E saíram na pressa batendo a porta atrás de si e rodando a chave três vezes com um único movimento de mão.
Caminharam pela rua. O vento que passou na avenida, os viu de mãos dadas, correu em direção a eles e pareceu lhes cortar a face. Tudo dava indícios que a madrugada seria uma das mais frias. Sorte dos dois que possuíam com o que aquecer-se.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Arquivo de Memórias

Eu me vi sentado, era segunda. Estava revirando um arquivo de todos os momentos em que vivemos juntos e lembrei de todas as vezes que você me falou o quanto me achava único, enquanto eu imaginava que aquele olhar não poderia ser dado a mais ninguém. Sim, estava na pasta julho de 2003. Nós tínhamos 17 na época.
Acompanhamos a tecnologia juntos, e o que antes era registrado em meus diários passou a ficar condensando em um blog que eu o nomeei de “eternidade efêmera” em referência a todos os instantes que eu brincava de dizer que pareciam que não acabariam nunca até o momento de você se despedir e descer a rua para chegar em casa.
Acompanhamos o momento em que ambos nos assumimos para as nossas famílias. Lembrei da semana que você passou comigo aqui em casa, logo depois de ter sido expulso. Meus pais te chamavam de “filho” e você ficava tão feliz por se sentir cada vez mais parte de uma família que envolvesse a gente.
Vi você entrar na faculdade e você me acompanhou, por um ano, nas tentativas de entrar na Unicamp. E depois que eu passei, lembro do quanto você ficava assustado ao me ver indo e vindo nos voos para São Paulo. Não sabíamos se aquela vez que nos veríamos seria a última em que ainda nos chamaríamos de amor. Eu percebia sua cara quando eu arrumava as malas. Eu percebia os gritos que você tanto silenciou e, acredite, por dentro eu estava em pé de igualdade.
Mas a gente sobreviveu, passamos um tempo ainda morando juntos depois que você terminou a faculdade. Nossa, como era bom morar contigo novamente. Aguentar suas manias de limpeza, o cheiro de fumaça que teimava ficar em você depois de uma saída na varanda e a forma como você ficava só de camisa na hora de dormir.
Seu chocolate preferido ainda é charge? Você ainda tenta experimentar novos sabores de chá quando vai naquela cafeteria? Você ainda nutre os planos que me contava na época? Você ainda acredita no melhor das pessoas? Eu nunca acreditei e sinceramente, permaneço sem religiões. O arquivo de 2010 é o mais vivo. Costumava dizer que tinha sido o ano mais feliz das nossas conquistas. Alguns ventos tinham assolado o que a gente havia feito na horta que passamos a chamar de “nós”, mas eu não me mantive atento às precauções devidas.
Aos poucos via os insetos que se aproximavam a nossa volta. Aos poucos via o quanto você estava cansado de cuidar e rever o que eu não estava realizando. O que parecia ser novo não fixava raízes. O solo tornara-se infértil. Foram inúmeras as vezes em que tentamos adubar com conversas tudo aquilo que devia estar claro.
A distância que antes eu contava como desvantagem aparecia cada vez mais forte como uma das razões para não voltar cedo, uma das razões para ficar até tarde no trabalho. Se tornou uma dor chegar no nosso apartamento e não te encontrar, e maior ainda era quando você estava e eu conseguia ver o quanto estávamos perto do fim.
Aos poucos, fomos vendo que o que havia mudado não era a vontade de estar junto, e sim como estaríamos. Nossa, como eu te amava. Como nos amávamos. Mas parece que nem sempre esse sentimento é suficiente. Em 2012 decidimos dar um tempo, e esse tempo perdura até hoje.
Em momentos como esse, quando a temperatura cai e eu uso o moletom que era seu, tento imaginar como teria sido se houvéssemos tentado um pouco mais. Teríamos resolvido o que estava acontecendo? Não sei, talvez tenha sido melhor assim. Hoje ligo para você e conto qualquer coisa da minha vida, na esperança de saber mais da tua. Se ainda te amo? Claro, mas percebi que te ver feliz acabou por se tornar mais importante do que estarmos juntos.

domingo, 18 de outubro de 2015

Pedido de Desculpa

Fortaleza, 18 de outubro de 2015.


Queridos Leitores;

A todos aqueles que esperavam indiretas, ofereço minhas sinceras desculpas. Esta carta nada mais é que um exercício de escrita que advém de uma pequena reflexão após ter recebido diversas mensagens perguntando se o que eu escrevia se referia àquela tarde em que conheci Marcela ou ao final de semana em que passei numa casa de praia em 2009.
Gostaria de dizer que o que escrevi foi em busca da identificação de quem me lesse, e as associações geradas são de total responsabilidade de quem as faz, cabendo ao leitor decidir ao que deve se agarrar do texto. Mário de Andrade em uma de suas cartas a Drummond afirmou que sofria de “gigantismo epistolar” e tal qual ele me isento de culpa, uma vez que sinto muito mais do que as situações me permitem sentir e vivo intensamente tudo aquilo que passa a existir no campo de minhas emoções.
Gostaria de poder lhe confortar dizendo que sim, o que escrevi teve influências de algo que compartilhei com você. Mas cada linha escrita possui influências de tudo o que tive como referência na construção de quem sou. E seria injusto me limitar a uma memória turva, quando parece que tudo o que lembro já foi romantizado por algum escritor fantasma que arquiva minhas memórias. (Ah, quem me dera fosse Mário)
Sinta-se convidado a refletir, imaginar e criar tudo aquilo que possa ser desenvolvido através dessas postagens, mas tendo em mente que o que escrevi e escrevo fala de tudo o que sinto e gostaria que outros sentissem. E aos que torcem para que no fundo sejam indiretas, calma, um dia você vai abrir aquela velha ferramenta de mensagens chamada e-mail e vai ter algo escrito exclusivamente para você, nesse caso, se isente de dúvidas.

Um Grande Abraço.


Pedro Palácio

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Eu na Cidade

Diego acordou como se o peso das suas indagações estivera em cima do seu corpo a noite inteira. Revirou-se durante a madrugada e acordava de um sono tão interrupto quanto os ônibus que tomara naquela semana.
Foi até a janela e olhou para a cidade. Olhou para o horizonte que se deparava todas as manhãs e sentiu-se perdido. Onde se encaixaria naquela cidade? Existia um local escondido numa praça do centro em que seu nome estava escrito? No momento da descoberta, uma luz o banharia acompanhada de trilha sonora?
Calçou um chinelo e decidiu sair em busca de conhecer o espaço que sabia localizar, mas não se permitia viver. Desceu as ladeiras que levava até a beira do mar e começou a prestar atenção nos detalhes que passavam despercebidos pelos seus sentidos.
Nunca havia notado a quantidade de vezes que a palavra “mar” aparecia nos endereços da orla daquela cidade. Seria essa uma forma desses lugares encontrarem um espaço para si assim como ele procurava um lugar que pudesse chamar de seu?
Decidiu contar quantas vezes o “mar” aparecia nos letreiros e fachadas, assim como iria notar os detalhes das ruas e das pessoas que passassem. Cinco. Foi o número que gravou antes de atingir metade do percurso. Seguiu andando e as pessoas pareciam diferentes. Elas se diferenciavam naquele dia por ele estar olhando com novos olhos para a situação?
Treze.  Já se passaram muitos hotéis, restaurantes e pousadas. O mundo acontecia para as pessoas nesses espaços como estava acontecendo para ele? Respirou fundo, tirou um cigarro do bolso e acendeu com o número 19 em mente.
Achou um banco que repousava na sombra de um coqueiro e sentou-se enfiando os pés na areia que estava quente mesmo estando abrigada do sol. Tal qual sua mente, fumegando de ideias mesmo quando seu corpo agora descansava.
Desistiu de fumar no meio do cigarro como descartara sentimentos que lhe queimavam por dentro. Desejava, intimamente, conhecer milhares de lugares e em contrapartida não se dava ao trabalho de conhecer o local que chamava de lar. Afinal, não respondia “Fortaleza” quando lhe perguntavam de onde vinha? E como odiava aquelas perguntas. “Quais locais devo ir lá? ” “O que tem para se conhecer na sua cidade? ”.
- Com licença, que horas são moço? – Perguntou uma senhora sem tirar o canudo da água de coco da boca.
- Oito e Vinte.

Interrompido de seus pensamentos, decidiu voltar. Tinha saído para conhecer mais da cidade e acabou por descobrir curiosidades sobre si mesmo. Embora houvesse percebido que odiava determinadas perguntas que lhe arranjavam, odiava ainda mais as que ele mesmo se fazia.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Estranho

Ela estava na parada esperando corriqueiramente seu ônibus como esperara tantos outros naquela semana. Os fones possuíam melodias que a ajudavam a passar o tempo que parecia interminável na espera da volta para casa.
A música mudou e, como se tivesse adivinhado aquela passagem, chegou um rapaz de rosto aquilino que parou ao seu lado junto às primeiras batidas. Na mesma hora prendeu a respiração, os botões pensaram por si e ajeitou a postura. Não que o tivesse achado apenas bonito, mesmo que aos seus olhos fosse, mas tem certas pessoas que emanam uma energia que não é comunicável.
Ele carregava uma mochila gasta que parecia ter viajado por vários lugares do mundo. E de imediato ela imaginou o que aqueles olhos já haviam visto. Os óculos eram de armação tartaruga, lentes garrafais e faziam os olhos parecerem maiores. Será que seus olhos saltavam nas lentes quando se espantava?
O ônibus chegava e grande foi sua surpresa quando o braço do rapaz que estava ali já havia se erguido. O Deixou subir na frente para depois escolher aonde iria permanecer. Não escolheria ao seu lado, pois sua imaginação funciona melhor quando se afasta dos objetos analisados. Não queria conversar com ele. A imagem que estava criando de um viajante leitor de Mário de Andrade era boa demais para que perdesse em um diálogo.
A imagem que ela costumava criar das pessoas nunca a impediu de se aproximar ou deixar-se surpreender com o cumprimento ou não dos seus ideais, mas ele surgiu como um objeto de inspiração e deveria permanecer assim. Era mais prático. Mateus sentou-se perto do motorista, ela sentou-se 3 cadeiras atrás. Decidiu que o chamaria de Mateus quando pensasse em sua figura. Ele puxou seus fones e os colocou. Só então percebeu que havia música nos seus ouvidos e que esta havia cedido lugar ao barulho de sua mente inquieta.
A barba dele parecia estar por fazer. Ela o imaginou perdendo a hora de se barbear por ter deixado envolver-se por canções de um LP original de “Band on the Run” ou por ter passado horas lendo uma mesma poesia de Drummond que o deixou intrigado.
Sua camisa era de cores frias, que lhe remetiam a um personagem melancólico de Honoré. Ele tirou os óculos e suas olheiras eram densas como o café que tomara a pouco e ainda aquecia seu estômago. Café que teve gosto de vida, assim como todas as histórias que pulsavam em sua iminência de construção.
Seu cabelo era vivo e vermelho tal qual fogo e atraía a sua atenção como a luz atrai aos insetos no período noturno. Ela, em mente, estava se deparando com aquela luz de cara. Repetidas vezes.
Ele se levantou, puxou a corda para dar sinal de que ia descer e ela percebeu que sua nuca possuía tantos sinais quanto o céu possuía estrelas. E a forma com que quase caiu antes de descer do ônibus demonstrava fraquezas que até então não haviam aparecido em sua mente. E sorriu consigo mesma, afinal, mesmo tendo criando um personagem para ele, reconhecer suas fraquezas o fazia real.