Eu me vi
sentado, era segunda. Estava revirando um arquivo de todos os momentos em que
vivemos juntos e lembrei de todas as vezes que você me falou o quanto me achava
único, enquanto eu imaginava que aquele olhar não poderia ser dado a mais
ninguém. Sim, estava na pasta julho de 2003. Nós tínhamos 17 na época.
Acompanhamos
a tecnologia juntos, e o que antes era registrado em meus diários passou a
ficar condensando em um blog que eu o nomeei de “eternidade efêmera” em
referência a todos os instantes que eu brincava de dizer que pareciam que não
acabariam nunca até o momento de você se despedir e descer a rua para chegar em
casa.
Acompanhamos
o momento em que ambos nos assumimos para as nossas famílias. Lembrei da semana
que você passou comigo aqui em casa, logo depois de ter sido expulso. Meus pais
te chamavam de “filho” e você ficava tão feliz por se sentir cada vez mais
parte de uma família que envolvesse a gente.
Vi você
entrar na faculdade e você me acompanhou, por um ano, nas tentativas de entrar
na Unicamp. E depois que eu passei, lembro do quanto você ficava assustado ao
me ver indo e vindo nos voos para São Paulo. Não sabíamos se aquela vez que nos
veríamos seria a última em que ainda nos chamaríamos de amor. Eu percebia sua
cara quando eu arrumava as malas. Eu percebia os gritos que você tanto
silenciou e, acredite, por dentro eu estava em pé de igualdade.
Mas a
gente sobreviveu, passamos um tempo ainda morando juntos depois que você
terminou a faculdade. Nossa, como era bom morar contigo novamente. Aguentar
suas manias de limpeza, o cheiro de fumaça que teimava ficar em você depois de
uma saída na varanda e a forma como você ficava só de camisa na hora de dormir.
Seu chocolate
preferido ainda é charge? Você ainda tenta experimentar novos sabores de chá
quando vai naquela cafeteria? Você ainda nutre os planos que me contava na
época? Você ainda acredita no melhor das pessoas? Eu nunca acreditei e
sinceramente, permaneço sem religiões. O arquivo de 2010 é o mais vivo.
Costumava dizer que tinha sido o ano mais feliz das nossas conquistas. Alguns
ventos tinham assolado o que a gente havia feito na horta que passamos a chamar
de “nós”, mas eu não me mantive atento às precauções devidas.
Aos
poucos via os insetos que se aproximavam a nossa volta. Aos poucos via o quanto
você estava cansado de cuidar e rever o que eu não estava realizando. O que
parecia ser novo não fixava raízes. O solo tornara-se infértil. Foram inúmeras
as vezes em que tentamos adubar com conversas tudo aquilo que devia estar
claro.
A
distância que antes eu contava como desvantagem aparecia cada vez mais forte
como uma das razões para não voltar cedo, uma das razões para ficar até tarde
no trabalho. Se tornou uma dor chegar no nosso apartamento e não te encontrar,
e maior ainda era quando você estava e eu conseguia ver o quanto estávamos
perto do fim.
Aos
poucos, fomos vendo que o que havia mudado não era a vontade de estar junto, e
sim como estaríamos. Nossa, como eu te amava. Como nos amávamos. Mas parece que
nem sempre esse sentimento é suficiente. Em 2012 decidimos dar um tempo, e esse
tempo perdura até hoje.
Em
momentos como esse, quando a temperatura cai e eu uso o moletom que era seu, tento
imaginar como teria sido se houvéssemos tentado um pouco mais. Teríamos
resolvido o que estava acontecendo? Não sei, talvez tenha sido melhor assim.
Hoje ligo para você e conto qualquer coisa da minha vida, na esperança de saber
mais da tua. Se ainda te amo? Claro, mas percebi que te ver feliz acabou por se
tornar mais importante do que estarmos juntos.